quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Saudade


Você veio, passou e fez falta.
Queria ficar, mas não conseguiu.
Atraiu os meus olhares,
Por um tempo esses pares,
Foram inteiramente teus.
Eu os tomei de volta,
Tomaram-me como passivo de escolta,
Roubaram os olhos.
E não se contentando, a boca,
Arrancaram-me a roupa,
Dominaram todo o resto.
Mal sabiam elas que só roubaram a retina,
E que todo esse papo de menina,
Por muito tempo, eu detesto.
Queria ter de volta as conversas prolongadas,
As juras das madrugadas,
Que eram nosso passaporte para o sono.
Queria ter aquele abraço desajustado,
Aquele beijo não dado,
Que até hoje tenho saudade.

– Carlos Gomes.




quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Musa!



És tantas, e tão somente uma.
Tens milhares de facetas,
São varetas de um mesmo feixe.
És peixe, sereia.
És mamífero, mulher.
Tens um corpo com muitas curvas,
São uvas de varias cores.
Tens cachos volumosos,
Cabelo macio, fino, grosso, pixaim.
Coitado de mim que não sei em que curva fico.
Tu poderias muito bem me dizer.
Tu poderias facilitar as coisas.
Mas tu não és das que facilitam.
És das que agitam.
Que maldade!
Nessa de ver o circo pegar fogo,
Periga entrar em jogo a vida do palhaço.
Que saudade!
Quero te ver e nem sei como chamas.
Quero te ter e já tive.
Os dois se olharam, e olharam-se novamente,
Ficaram nessa a noite toda.
Sem essa de comer pela beira,
O olhar já gera uma conversa inteira,
A única pena é que não passa telefone,
E ficaram sem saber o nome,
Um do outro.
Que maldade!
És a da rua, do mercado,
Da padaria, do bar e do parque,
És a do embarque do navio que zarpou,
Navio que levou meu amor embora.
Tens tantos nomes que só me sobra dilema.
E problema que não cabe no poema,
É melhor parar de escrever.
Pois és tantas, e tão somente uma.


- Carlos Gomes. 

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Devaneios de seis



O carro sobe a rua deserta.
Na certa errou de endereço.
Um moço me pergunta o preço,
Da casa que está para ser alugada.
Eu falo pra ele seguir a estrada,
E parar onde o calo aperta.

À esquerda vejo um bando.
E não sei se ando pra frente ou pra traz,
Quem sabe se esse povo é capaz,
De querer arranjar uma briga.
Uma faca enfiada em minha barriga,
Não são os planos para este ano.

Olho pra frente e vejo prosperidade.
Uma desgraça aqui e outra lá,
E que o vento não invente de parar,
Pra virar ar comprimido.
Que é pra eu não virar marido,
Antes de chegar a certa idade.

O futuro é um troço estreito.
Que só cabe mesmo o plano,
E pra essa manga falta pano,
Que dê conta do recado.
Se vendesse tempo no mercado,
Num ia ter dinheiro que desse mais um ano.

Teria uma superlotação no banco.
Gente penhorando até o filho,
Pobre viveria como andarilho,
Esperando ganhar na loteria.
O mais lascado, como sempre, teria
Como morada, um barraco no barranco.

Comparando com hoje em dia,
Na verdade nem mudaria tanto.
Somente mostraria o quanto,
O humano é um bicho tinhoso.
Não aprendeu nada do precioso
Ensinamento do filho de Maria.

– Carlos Gomes









quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Not found



Fui pra rua pra ver se te encontrava,
Pra ver se tu estavas também à minha procura.
Estava enganado.
Era um soldado,
Que ao invés de rifle, violão.
Eu era um soldado em que a guerra vivia em uma canção.
Era o único soldado que não queria voltar pra casa.
Pois teu olhar acendeu uma brasa
Dentro do meu coração.
Queria te encontrar.
Achar bem de bobeira, como quem não quer nada.
Achar uma companheira de conversas de calçada.
Mas tudo que encontrei foi solidão.
Solidão que não se resolve com estratagema,
Então voltei pra casa,
Coloquei de lado a brasa,
E escrevi esse poema.


 – Carlos Gomes.

Invasora!



A poesia invade por inteiro
Corpo e alma do poeta.
Queria ele ser como andar de bicicleta,
Para não ser esquecido.

A poesia invade a história
Esclarecida e vinda de outrora.
História bela de amor que trago agora,
Coberta de desejos meus e teus.

A poesia invade a vida
De todos que por ela se deixam tocar.
Ela que por si só tem o poder de te levar,
Em uma viagem dentro da tua mente.

A poesia invade mesmo!
De um jeito avassalador,
Que nenhum artista, seja artesão,
violonista ou pintor,
Consegue dela escapar.

– Carlos Gomes.


sábado, 1 de agosto de 2015



Cansado. Enfadigado com o que circunda.
Destroçado. Saturado à medida que inunda.
Virei pó.
E poderia sim: deixar de ser,
Deixar de fazer,
Fazer e só.
Deixar de virar pó.
Tomar um banho de chuva,
Virar massa.
E quando todos correrem pra praça,
Lá estarei.
Amorfo,
Incolor,
Bolor.
E mesmo sem fungo ser,
Pareceria outra forma de vida.
Na praça não existirá briga,
Lá só tem espaço pra poesia,
Harmonia, empatia que cria a alma.
Não te convido pra praça,
Pois não teria graça,
Ainda-sou-pó!


– Carlos Gomes